Imagine que está a conduzir e, de repente, sente que há algo de errado com o seu carro; que a direção está “estranha”, não respondendo totalmente aos seus comandos. Apesar de lhe ser algo desconfortável conduzir assim, continua o seu trajeto até ao destino, porque não lhe parece nada de grave e não seria conveniente para si ter de parar e analisar o que poderá estar a suceder. Passam-se dias e dias, até que, certa noite, ao chegar ao carro, verifica que um dos pneus está totalmente vazio. Examinando-o, apercebe-se, então, de que a causa para a estranheza do comportamento do veículo estava num pequeníssimo furo. Todavia, por ter continuado a conduzir com o pneu a perder ar, a jante ficou significativamente danificada, assim como os discos dos travões. Se tivesse cuidado da situação mais cedo, não só poderia ter estado a conduzir mais confortavelmente como teria evitado danos estruturais ao veículo, devido aos quais agora terá de suportar custos elevados. Teria bastado chamar a assistência em viagem e substituir o pneu recentemente furado!
Qual é a moral desta história e como é que ela é relevante para a Psicologia Clínica? A hesitação em procurar ajuda por recearmos aquilo que vamos descobrir sobre nós próprios é compreensível. No entanto, se nos recusarmos ou constantemente adiarmos essa tomada de consciência, não só não poderemos libertar-nos daquilo que nos sufoca como nos sentiremos cada vez mais presos.
Todos enfrentamos, ao longo das nossas vidas, dificuldades que podem influenciar o nosso estado de saúde mental. A medida dessa influência pode ser muito variável, porque todos somos seres únicos e porque a saúde mental existe num espectro. Ou seja, entre os polos opostos “normal” e “patológico” (conceitos, aliás, controversos) há toda uma série de pontos intermédios; de problemáticas que podem, ou não, ser diagnosticáveis (destacando-se que os próprios rótulos diagnósticos são, também eles, passíveis de crítica).
A saúde mental é complexa e multicausal, resultado de interações entre fatores de ordem biológica e ambiental, e nenhum de nós está imune ao sofrimento psicológico. Algumas vezes ele é temporário; outras persiste no tempo. Por vezes ele é facilmente associável a acontecimentos específicos (por exemplo, a um divórcio ou à morte de um ente querido); outras parece surgir “do nada”. Seja qual for a forma que assuma, é fundamental que procuremos ajuda quando percebemos que podemos estar a necessitar dela. Fazê-lo não é, de modo algum, sinal de “loucura” ou “fraqueza”. Pelo contrário, além de verdadeiro ato de coragem e superação, trata-se de um sinal de bom prognóstico em termos de saúde mental!
Contudo, nem mesmo isso é necessário para que possamos beneficiar de terapia. De facto, embora ela seja essencial para aqueles que estejam a experienciar sofrimento psicológico, os ganhos que é suscetível de proporcionar vão muito além disso. A terapia pode ter grande utilidade para qualquer pessoa que pretenda conhecer-se melhor a si mesma, fazer escolhas mais conscientes e autónomas e/ou promover o seu bem-estar/desenvolvimento pessoal.
Resumindo (e de acordo com aquela que é a minha perspetiva), qualquer pessoa poderá beneficiar de um acompanhamento psicológico desde que reúna as seguintes condições:
• Estar disponível para refletir sobre a sua experiência (ou seja, para examinar os seus pensamentos, sentimentos, sensações, comportamentos, etc., com um terapeuta);
• Estar disponível para reavaliar a forma como tem feito as coisas (ou seja, para pesar as vantagens e desvantagens das suas ações);
• Estar disponível para «redecidir» as suas escolhas atuais (ou seja, para efetuar mudanças internas e/ou externas).
Trilhamos esse caminho juntos?