«Eu não» – desmistificando o recurso ao psicólogo

Luís Chambel Martins

Psicólogo Clínico

Sobre o autor

Imagine que está a conduzir e, de repente, sente que há algo de errado com o seu carro; que a direção está “estranha”, não respondendo totalmente aos seus comandos. Apesar de lhe ser algo desconfortável conduzir assim, continua o seu trajeto até ao destino, porque não lhe parece nada de grave e não seria conveniente para si ter de parar e analisar o que poderá estar a suceder. Passam-se dias e dias, até que, certa noite, ao chegar ao carro, verifica que um dos pneus está totalmente vazio. Examinando-o, apercebe-se, então, de que a causa para a estranheza do comportamento do veículo estava num pequeníssimo furo. Todavia, por ter continuado a conduzir com o pneu a perder ar, a jante ficou significativamente danificada, assim como os discos dos travões. Se tivesse cuidado da situação mais cedo, não só poderia ter estado a conduzir mais confortavelmente como teria evitado danos estruturais ao veículo, devido aos quais agora terá de suportar custos elevados. Teria bastado chamar a assistência em viagem e substituir o pneu recentemente furado!

Qual é a moral desta história e como é que ela é relevante para a Psicologia Clínica? A hesitação em procurar ajuda por recearmos aquilo que vamos descobrir sobre nós próprios é compreensível. No entanto, se nos recusarmos ou constantemente adiarmos essa tomada de consciência, não só não poderemos libertar-nos daquilo que nos sufoca como nos sentiremos cada vez mais presos.

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Todos enfrentamos, ao longo das nossas vidas, dificuldades que podem influenciar o nosso estado de saúde mental. A medida dessa influência pode ser muito variável, porque todos somos seres únicos e porque a saúde mental existe num espectro. Ou seja, entre os polos opostos “normal” e “patológico” (conceitos, aliás, controversos) há toda uma série de pontos intermédios; de problemáticas que podem, ou não, ser diagnosticáveis (destacando-se que os próprios rótulos diagnósticos são, também eles, passíveis de crítica).

A saúde mental é complexa e multicausal, resultado de interações entre fatores de ordem biológica e ambiental, e nenhum de nós está imune ao sofrimento psicológico. Algumas vezes ele é temporário; outras persiste no tempo. Por vezes ele é facilmente associável a acontecimentos específicos (por exemplo, a um divórcio ou à morte de um ente querido); outras parece surgir “do nada”. Seja qual for a forma que assuma, é fundamental que procuremos ajuda quando percebemos que podemos estar a necessitar dela. Fazê-lo não é, de modo algum, sinal de “loucura” ou “fraqueza”. Pelo contrário, além de verdadeiro ato de coragem e superação, trata-se de um sinal de bom prognóstico em termos de saúde mental!

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Contudo, nem mesmo isso é necessário para que possamos beneficiar de terapia. De facto, embora ela seja essencial para aqueles que estejam a experienciar sofrimento psicológico, os ganhos que é suscetível de proporcionar vão muito além disso. A terapia pode ter grande utilidade para qualquer pessoa que pretenda conhecer-se melhor a si mesma, fazer escolhas mais conscientes e autónomas e/ou promover o seu bem-estar/desenvolvimento pessoal.

Resumindo (e de acordo com aquela que é a minha perspetiva), qualquer pessoa poderá beneficiar de um acompanhamento psicológico desde que reúna as seguintes condições:

• Estar disponível para refletir sobre a sua experiência (ou seja, para examinar os seus pensamentos, sentimentos, sensações, comportamentos, etc., com um terapeuta);

• Estar disponível para reavaliar a forma como tem feito as coisas (ou seja, para pesar as vantagens e desvantagens das suas ações);

• Estar disponível para «redecidir» as suas escolhas atuais (ou seja, para efetuar mudanças internas e/ou externas).

Trilhamos esse caminho juntos?

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Quando poderá fazer sentido procurar outro psicólogo?

Luís Chambel Martins

Psicólogo Clínico

Sobre o autor

Pode ser difícil perceber se o psicólogo que escolheu é adequado para si. Por norma, será útil realizar um mínimo de três sessões antes de chegar a uma conclusão a esse respeito. A primeira consulta é, muitas vezes, diferente das restantes, e uma só consulta de seguimento não permitirá ter uma ideia clara do estilo do terapeuta e de como se sente na respetiva presença. Decorridas três sessões, existem algumas questões sobre as quais poderá refletir:

  • O meu psicólogo escuta-me atentamente?
  • O meu psicólogo compreende-me, ou pelo menos faz um esforço sincero para me tentar compreender?
  • O meu psicólogo aceita-me e respeita-me como sou, não me julgando ou criticando?
  • O meu psicólogo dá-me espaço para falarmos e trabalharmos sobre aquilo que eu quero falar e trabalhar?
  • Existe um bom ajuste entre a abordagem do meu psicólogo e aquilo que eu pretendo num acompanhamento psicológico?
  • O meu psicólogo procura deixar-me à vontade para lhe proporcionar feedback?

No que toca às abordagens dos psicólogos, saiba que elas podem ser bastante diferentes entre si. Generalizando, podemos afirmar que algumas são mais estruturadas e focadas diretamente na redução dos sintomas, ao passo que outras são mais exploratórias e dedicadas à compreensão dos significados e/ou causas desses mesmos sintomas. Aquela que será a abordagem mais ajustada para si dependerá, por um lado, do tipo de problemática que apresenta e, por outro, das suas próprias preferências. 

Tenha, de qualquer modo, presente que em terapia não existem soluções mágicas! Isto quer dizer que nem sempre se tratará de um processo “agradável” e que serão habitualmente necessários alguns meses até que comece a notar diferenças em si e nas relações que mantém, independentemente do terapeuta com quem esteja e da sua abordagem. Ainda assim, é importante questionar-se se acredita que este tem, pelo menos, o potencial de o ajudar. Comunique-lhe honestamente as suas dúvidas! Apesar de poder ser difícil expressá-las, ele deverá estar preparado para as explorar consigo e, eventualmente, propor uma outra abordagem ou até pessoa, nunca desvalorizando o seu feedback. Entretanto, se a resposta às questões atrás listadas for negativa e não conseguir resolver essa situação com o psicólogo que o acompanha, poderá, efetivamente, fazer sentido mudar.

Sendo a relação terapêutica fundamentalmente humana, é natural que nem sempre se encontre um bom “encaixe” e está tudo bem. Importa não desistir dessa busca e não deixar, também, de falar com um novo psicólogo acerca das suas experiências prévias em terapia. A pessoa com quem valerá a pena fazer esta jornada está algures à sua espera!

Porque é que não devemos suprimir aquilo que sentimos?

Luís Chambel Martins

Psicólogo Clínico

Sobre o autor

Sendo o leitor humano, certamente já terá tido a experiência de febre. Se é como eu, tê-la-á provavelmente considerado incómoda e ponderado tomar um fármaco antipirético ou anti-inflamatório de modo a conseguir baixar a temperatura corporal. 

Tentar reduzir aquilo que nos incomoda é perfeitamente compreensível. No entanto, a literatura médica enfatiza: além de se tratar de um fenómeno natural do organismo, a febre tem efeitos benéficos no combate a vírus e bactérias, desempenhando uma função protetora. Para além disso, tratando-se de uma febre persistente e/ou associada a outros sinais e sintomas, continuar simplesmente a diminuí-la sem investigar as causas subjacentes pode levar a que os problemas que a desencadeiam se agudizem.

Ora, tudo o que até agora escrevi quanto à febre se aplica, com as devidas adaptações, aos sentimentos que temos e podemos querer suprimir, como é o caso da ansiedade, da tristeza ou da raiva. Além de serem reações naturais, têm múltiplos efeitos benéficos para nós. Já pensou como seria se, perante um urso, os nossos antepassados não sentissem medo e não fugissem rapidamente?

Então, em vez de tentarmos suprimir aquilo que sentimos, o desafio será reconhecê-lo, nomeá-lo, senti-lo e deixá-lo ir a seu tempo (os nossos sentimentos podem ser vistos como ondas no oceano, tendendo frequentemente a aparecer, a aumentar, a diminuir e a desaparecer com relativa rapidez), colocando depois a nós mesmos as seguintes questões:

  • Porque é que este sentimento estará a surgir agora?
  • Que mensagem é que ele me está a tentar transmitir?
  • Como é que ele se enquadra na minha vida (passada, presente e/ou futura)?

É certo que pode não ser tarefa fácil… por isso, tantas vezes optamos simplesmente por ignorar o que sentimos e por nos distrairmos com qualquer outra coisa que capte a nossa atenção. Alivia, não é verdade? Mas esse alívio persiste no tempo, ou o que queríamos suprimir volta assim que a distração termina, por vezes até mais forte do que antes?

Estimo que a resposta possa alinhar-se mais com a segunda hipótese… os nossos sentimentos podem ser insistentes, mas são também sábios. Compreendo, porém, que tudo isto pareça complexo… talvez se trate de algo que valerá a pena fazermos primeiro em conjunto com o nosso terapeuta, no contexto de uma relação de cuidado e confiança, para que mais tarde possamos fazê-lo nós mesmos. Pode contar comigo.


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