Culpa e Responsabilidade serão sinónimos?
Muito se tem escrito sobre a relação entre a culpa e a responsabilidade.
Todos nós já sentimos culpa, uma emoção que faz parte do nosso reportório humano. Até o nosso gato ou o nosso cachorro sente culpa e pode expressá-la com sequências comportamentais que, na maioria das vezes, são facilmente entendidas por nós.
Por exemplo, posso sentir-me culpada por não ter atendido uma chamada de um amigo e por só ter percebido algum tempo depois que ele tinha deixado na caixa de mensagens um pedido de boleia. Reconhecendo o que aconteceu, poderei ficar triste e com a sensação de estar em falta.
A minha vivência de culpa nesta situação será tanto maior quanto mais importante for a razão do pedido, quanto maior for o meu compromisso afetivo para com este amigo, quanto menos válidas forem as razões que me levaram a não atender a chamada, entre outros aspetos.
É verdade que por vezes o nosso sentimento de culpa poderá refletir uma exigência que exercemos sobre nós próprios, independentemente das atenuantes que possam existir. Nestes casos exigimos controlo total sobre a nossa vida.
Corremos o risco de transformar a culpa numa condenação que não só julga a ocorrência, o comportamento, mas sobretudo pretende colocar a pessoa que somos no banco dos réus. Tipo, sou uma má amiga, sou egoísta, não sou confiável, etc.
Numa reflexão posterior até poderemos reconhecer gestos de generosidade e atenção amiga nessa relação. Embora pareça estranho, estes pensamentos podem rapidamente ser apagados e substituídos pela vivência de culpa associada ao momento em causa, como se somente ele existisse.
Vamos imaginar que passadas algumas horas, ou no despertar após uma noite bem dormida, o meu estado de ânimo é mais sereno. Tomo o pequeno-almoço e vou refletindo sobre a situação, recuperando alguns aspetos tais como: ele não ligou de novo por isso teve ter resolvido o problema; a voz não parecia indicar preocupação; ele sabe que eu sou desatenta com o telefone móvel e em caso de ser urgência teria tentado contactar no fixo...
Constato então que a minha angústia me tinha ocupado de tal forma que até ao momento não tinha retornado a chamada.
Faço-o agora e com alívio percebo que efetivamente ele tinha resolvido o problema: chamou o Uber para ir assistir a um jogo do filho porque o carro não tinha pegado.
Na sua voz noto que está bem disposto e termina brincado com o fato de eu ter uma má relação com o telemóvel.
Peço desculpa.
Assumo que deixo o telemóvel em todos os cantos da casa. Ora fica sem bateria, ora pode não ser audível.
Lamento não ter atendido e não ter estado lá para o ajudar.
Sou responsável.
Ao contrário da culpa, a responsabilidade ajuda-nos a verdadeiramente compreender o nosso comportamento, a avaliar de forma mais objetiva as consequências e a perceber o contexto que em que foi vivido.
Compreender o que fizemos raramente será o mesmo que julgar a pessoa que somos.
É natural que um acontecimento não desejado nos provoque sentimento de culpa. É desejável que a culpa possa evoluir para a vivência de responsabilidade.
Esta reflexão não regista todos os contornos da relação entre a culpa e a responsabilidade.
Por hoje poderemos considerar, finalizando, que ao contrário da culpa prolongada no tempo, cujo efeito nos desgasta física e emocionalmente, a responsabilidade permite-nos aprender com a experiência, reconhecer as suas consequências e aceitar o que não podemos mudar.
Quando a situação é difícil este caminho não será fácil. Não obstante é aquele que contribui para o nosso desenvolvimento e para a nossa saúde mental.