Os escuteiros e a sanidade mental de uma jovem Portuguesa

Patrícia Barroso

Psicóloga Clínica

Sobre a autora

Não é fácil ser-se jovem em 2023.

Enquanto psicóloga, observo diariamente os desafios que enfrentam os mais novos.

Apesar de viverem na era da conexão constante, muitos jovens sentem-se tremendamente isolados. As crianças, ao mesmo tempo que têm de lidar desde muito cedo com o complexo universo das ferramentas digitais, têm ainda de competir com essas mesmas ferramentas pela atenção dos seus pais. E como pode um jovem projetar-se num futuro onde, segundo lhe dizem, vamos todos ser substituídos pela inteligência da máquina e vamos todos ser aniquilados pela estupidez do Homem?

O contexto para um jovem é sem dúvidas desafiador, mas existem respostas. Tive o privilégio de integrar um movimento que me ajudou a encontrar muitos destes desafios – durante 16 anos fui escuteira e os escuteiros foram a minha segunda família.

Perco a conta das amizades que fiz, as quais permanecem até hoje. Falo não só de amizades entre jovens mas também com os “chefes” (que para mim continuam a ser “chefes” mesmo já  não fazendo parte do movimento escutista). Numa era em que o sentimento de solidão é tão pervasivo entre jovens sinto-me imensamente grata a estas pessoas que foram um pilar tão importante no meu desenvolvimento pessoal.

Na minha prática clínica observo em primeira linha a perda de capacidades de interação social dos jovens, resultante da falta de contacto humano com significado. Isto remete-me para os dias de acampamentos. Trabalhávamos sempre em equipas de 4 a 8 elementos, e cada um tinha o seu papel. Todos  tinham de aprender a interagir e a lidar com diferentes personalidades. Cozinhávamos, fazíamos caminhadas de orientação, construções em madeira, jogos de equipa, cantávamos, partilhávamos histórias e peças de teatro ao redor da fogueira. Este contacto com outros na natureza foi tão gratificante! Era como se estivéssemos num mundo à parte, num mundo onde o básico nos fazia feliz. Crescemos, enquanto pessoas e enquanto seres sociais. Mais tarde, estas competências revelaram-se essenciais para eu construir relacionamentos saudáveis.

Foto de Maël BALLAND na Unsplash

E se a sociedade da conveniência material arriscava sobre-proteger-me, como acontece a tantos jovens de hoje, também aqui os escuteiros foram essenciais. Frequentemente fui desafiada a sair da minha zona de conforto e enfrentar novas experiências. Recordo-me de um acampamento em que tivemos a oportunidade de visitar uma gruta. Inicialmente eu estava muito relutante pois os locais fechados e pequenos eram um dos meus grandes medos. Com apoio dos colegas e chefes, consegui ganhar coragem para visitar a gruta. E digo-vos uma coisa: foi uma das melhores experiências da minha vida! 

Em suma – as relações humanas, o sentido de pertença, a superação de desafios, todas estas peças importantes para o desenvolvimento de saudável de uma jovem estiveram presentes nestas minhas experiências. Não sendo os escuteiros uma solução definitiva para os problemas de saúde mental, e respeitando o facto de que cada individuo é diferente e necessita de soluções à sua medida, espero que esta minha partilha possa encorajar outras pessoas a conhecer este movimento e a beneficiar das mesmas oportunidades.

Patrícia Barroso

04/07/2023

(Edição: David Rebelo – Clínica Consultalen)